terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Fique de vez em quando só, senão será submergido. Até o amor excessivo pode submergir uma pessoa.

Clarice Lispector

Não querendo contradizer aquela que é, indubitavelmente, uma das maiores escritoras brasileiras - e Escritora Maior - adoro ser submergida, na verdade. Agora, emergida de novo em Lisboa, sinto-me realmente submergida, por toda a falta que me faz a submerjão.

Submerjamos-nos, pois, e seremos felizes assim submergidos, nessa submerjidice maravilhosa que é o amor.

Atentai, meus caros, para que uma vez bem submergidos, não vos deixeis cair no intento de emergir, pois que não raras vezes essa emerjão é apenas uma aparência ilusória, que no fundo não é mais do que uma subjerjão cada vez maior, nessa coisa horrivel que é a solidão.

Eu, pessoalmente, submirjo-me alegremente a cada dia e assim submergindo vou, num paradoxo confuso, emergindo.

Por isso te digo, a Ti, num imperativo categórico: submerge-me.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

And, after all, what is a fashion? From the artistic point of view, it is usually a form of ugliness so intolerable that we have to alter it every six months.

Oscar Wilde, Literary anda Other Notes I, Woman's World (Novembro, 1887)

Entrei em contenção de custos, e aprendi com aquele que talvez mais tenha amado a beleza. As minhas roupas são lindas, é um facto, logo não preciso de novas a cada seis meses.

Espero que todas vocês, caras leitoras e amigas (que os caros leitores e amigos não ligam nenhuma a essas coisas) continuem, daqui a dez anos, a andar comigo na rua. Estarei igual a hoje - porventura com mais uma ou outra ruga.

No entanto, muito mais rica. Seguramente.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

For of all sad words of tongue or pen, The saddest are these: 'It might have been!'

De todas as palavras tristes de língua ou pena, As mais tristes são estas: 'Poderia ter sido!' *

Whittier in Maud Muller

Poderia escrever palavras e palavras, frases e frases, parágrafos e parágrafos a partir desta frase. Não vale a pena. Tudo o que poderia dizer está encerrado dentro dela. Não é, pois, por acaso, que sobreviveu ao passar dos anos e dos séculos.

Espero nunca o dizer. Espero nunca o ouvir dizer a ninguém que me seja querido. Espero pautar a minha vida não só pelas emoções, mas pela acção e pelo risco a que elas me possam conduzir. Espero que tu, queridissimo leitor, e queridissima leitora, o faças também.

E, espero que, daqui a muitos anos, possamos, a duas vozes, dizer a Whittier: «Nada poderia ter sido, porque tudo o que tinha que ser, o foi.»

*Optei por fazer uma tradução que respeitasse o original, escrito no séc. XIX. No entanto, numa tradução livre actual - como infelizmente é comum - versaria assim: «De todas as palavras tristes faladas ou escritas, As mais tristes são estas: 'Poderia ter sido'

domingo, 10 de fevereiro de 2008

As nossas palavras

As palavras. Essas, que sempre nos invadem os dias. Às vezes são boas para nós. Juntam-nos. Levam-nos ao que já fomos, às horas e horas que tivemos de palavras gastas, atiradas ao ar, que sem significante, e muitas vezes sem significado, pouco disseram. Mas que, em grande parte, nos fizeram. Porque, se existimos, é por todas as palavras que sussurrámos, gritámos, rimos, chorámos, pelas tardes, pelas noites, pelas madrugadas dentro.
O tempo passou e as palavras foram diminuindo - e com elas a conta do telefone. Hoje já não nos damos palavras todos os dias - já sei, as palavras trocam-se, mas eu dou as minhas e recebo as que oiço, como um presente, e não quero de volta e não me sinto compelida a devolver, e por isso não troco, por isso dou. São bons os dias em que nos damos palavras. São tristes os outros. Os dias em que as palavras são ainda mais pesadas, porque não as demos. Ou as demos a outros, só a outros e não a nós.
Quero que saibas, porém, que todos os dias tenho palavras para te dar, mesmo que não tas dê. Foi só porque não calhou. Porque não te vi, porque não te liguei, porque não te escrevi. Não foi por não as ter. Não foi por nesse dia concreto não de lembrar de nenhuma para ti. Contigo terei sempre incontinência verbal.
Foi a vida, sabes. A vida que se meteu de permeio em todas essas palavras. Foram os anos. Foram os amores e as novas amizades. Foi o cansaço e a dor de cabeça ao final do dia. As horas de sono que nunca chegam. O tu seres a mulher-a-dias e eu o guarda-nocturno. Houve alturas em que isso me entristeceu. Em que me doía não te dar dado todas as palavras que tinha para ti. Que não me tivesses dado as que tinhas para mim. Cheguei a temer que se tivessem a acabar as palavras. Que a maravilhosa incontinência partilhada se tivesse perdido e substituído por uma dura, cruel e vazia obstipação verbal.
Hoje sei que não. Hoje quando te vi, ali, em frente ao espelho, com aquele vestido, percebi que foi isso mesmo. A vida. Os amores. As novas amizades. Que a vida cresceu, a tua, a minha, a nossa. E que a vida tornar-se maior é sinónimo de felicidade. E que não fomos nós que diminuimos. Foi só mesmo a vida que aumentou.
Desejo para ti, como para mim, que a vida continue a crescer. Sei, por isso, que as palavras que nos damos talvez venham a diminuir em proporção com esse aumento. Não faz mal. Sei que tenho, e sempre terei, todas as palavras do mundo para ti, e que tu terás sempre todas as palavras do mundo para mim. E se a vida é feita de palavras, então a nossa vida será sempre cheia. Porque as palavras existem - ditas ou não.
Quero que sejas muito feliz nesta tua vida grande. E estas são as palavras que tenho hoje para te dar.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

"What's in a name? That which we call a rose
By any other name would smell as sweet."

William Shakespeare, Romeo and Juliet

Qual a importância dos nomes? Porque insistimos nós em definir, em nomear?
Eu defino-me como uma mulher da palavra. E por isso insisto nos nomes, nas definições. Quem sou, como sou, onde sou, o que sou. Procuro, incessantemente, a palavra correcta. Nunca, ou raramente, fico feliz com a definição encontrada, pois que não a sinto suficiente.
Mas mudará, realmente, essa definição alguma coisa? Será que, uma vez definida, uma vez encontrada a palavra, a descrição exacta, muda a essência daquilo que se definiu? Daquilo que se nomeou?
Já o dizia Shakespeare - e porquê contradizer um génio? - que não. O ser não depende do nome. O ser é independente desse nome. E o escritor sabia-o melhor que ninguém, pois que andou em busca das palavras toda uma vida. E encontrou-as. Talvez por isso, por ter encontrado todas as palavras, as melhores palavras, os melhores nomes e definições, tenha percebido o vã que é essa busca. Vã na medida em que a essência daquilo que foi nomeado, descrito ou definido na mais absoluta perfeição linguística que era a sua, não mudou. Manteve-se, indiferente, a esse trabalho.
Mas ficamos nós, homens e mulheres da palavra, que não nos aproximamos do brilhantismo de Shakespeare, nessa continua busca pela nomeação, descrição e definição. Sabendo que não mudaremos o mundo com esse encontro, mas que nele encontraremos um sentimento de seguraça, dificilmente encontrado nesse mesmo mundo indefinido em que vivemos. Sentimento de seguraça dado pelo encontro com a palavra certa, que nos definiu, pelo menos por momentos, o que questionamos, sentimos, vivemos ou somos.
Acho que sou simplesmente insegura.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Letras maiores - Tu Risa


Tu Risa


Quítame el pan, si quieres,
quítame el aire, pero
no me quites tu risa

No me quites la rosa,
la lanza que desgranas,
el agua que de pronto
estalla en tu alegría,
la repentina ola
de plata que te nace.

Mi lucha es dura y vuelvo
con los ojos cansados
a veces de haber visto
la tierra que no cambia,
pero al entrar tu risa
sube al cielo buscándome
y abre para mí todas
las puertas de la vida.

Amor mío, en la hora
más oscura desgrana
tu risa, y si de pronto
ves que mi sangre mancha
las piedras de la calle,
ríe, porque tu risa
será para mis manos
como una espada fresca.

Junto al mar en otoño,
tu risa debe alzar
su cascada de espuma,
y en primavera, amor,
quiero tu risa como
la flor que yo esperaba,
la flor azul, la rosa
de mi patria sonora.

Ríete de la noche,
del día, de la luna,
ríete de las calles
torcidas de la isla,
ríete de este torpe
muchacho que te quiere,
pero cuando you abro
los ojos y los cierro,
cuando mis pasos van,
cuando vuelven mis pasos,
niégame el pan, el aire,
la luz, la primavera,
pero tu risa nunca
porque me moriría.
Pablo Neruda