sexta-feira, 2 de maio de 2008

Da esperança


* Em tempos escrevi este texto. Não o publiquei. Hoje reli-o e, mesmo fora de tempo, decidi postá-lo aqui. Foi escrito em Dezembro, para os que estiverem confundidos com as datas.


É feita de morte a vida. Mas é também feita de nascimentos. E nesse nascer e morrer vamos vivendo. Somos seres para a morte, dizia Heidegger. É verdade. Mas somos também seres para a vida. Exaltamos a cada novo nascimento. Ontem fiquei feliz duas vezes. E isso é raro. Por isso hoje continuo contente.
Entenda-se: o meu ontem e o vosso ontem não é o mesmo. Escrevo hoje este texto, que será publicado somente na próxima semana. Próxima para mim, pois que é a vossa agora. Esclareçam-se, assim, as confusões de datas que possam advir nas próximas linhas.
Foi ontem então um dia de celebrações – pelo menos para mim. Nasceu uma nova livraria em Lisboa, a Byblos. E uma nova livraria é sempre motivo de alegria. Afinal, a literatura torna-nos imortais. A quem escreve, que se eterniza no texto, e a quem lê, que torna suas as várias vidas pelas quais é tocado. E se qualquer livraria que se inaugure é motivo de regozijo, esta é-o ainda mais. É grande, verdadeiramente grande. Mas mais do que isso: ambiciona ser completa. Não se quer limitar às novidades – que também as há, e bem expostas –, mas exibir um catálogo digno da Feira do Livro. E quer chegar aos 150 mil títulos.
Enquanto por ali cirandava, e me angustiava com a ideia de que, ao longo da vida não vou ter tempo de ler todos os livros que gostaria, o telefone tocou. Era uma mensagem, daquelas com imagem. Multimédia, assim se chama. Maravilhas da técnica. Abri. Uma fotografia de uma amiga, com um bebé ao colo. Era o seu filho, que tinha nascido umas horas antes. E fiquei feliz. Embutidos de cinismo – pelo menos eu e algumas pessoas com quem converso – é frequente criticarmos o estado do mundo. Declará-lo tão mau, regido por pessoas tão cruéis, desonestas, corruptas, que visam apenas satisfazer os seus próprios interesses, que terminamos, muitas vezes, com um anúncio desalentado: «Não quero trazer nenhuma criança a este mundo. Desculpa pai, mas acabou-se a linhagem.» É falso. Completamente falso. Porque por pior que o mundo esteja, não lamento esses novos nascimentos. Fiquei feliz pela criação da livraria. Acho, inclusive – talvez numa inocência gerada pelo espírito natalício –, que lhe espera um grande futuro, feito por muitos e ávidos leitores. E, quando soube desta nova pessoa que povoa agora o meu mundo, exultei. Somos seres para a morte, é certo. Mas, nestes momentos, a vida parece eterna. Porque se recicla e renova. Porque insiste em se perpetuar.

Ia escrever sobre África, sobre a cimeira que se realizou. Sobre o estado do mundo, pois. Mudei de ideias e resolvi escrever sobre a vida que nasce. Uma livraria, uma pessoa. Juntos, poderão fazer do mundo – pelo menos do meu – um lugar melhor. Um texto de esperança, ao invés de um texto de desalento. Sejam bem-vindos. Já tocaram pelo menos uma pessoa. Espero que toquem muitas mais

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