quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Nacionalizações

Volto de férias para me deparar com uma noticia que, no minimo, classifico de 'engraçada'.

O governo Bushista norte-americano, esse que se diz tão a favor do mercado livre, onde os agentes devem ser todos privados e o Estado se deve abster de intervir, esse mesmo governo acabou de adquirir a Freddie Mac e a Fannie Mae.

Será um sinal da ruína e da queda desse sistema chamado Capitalismo, que quase todos classificam de 'eterno'?

6 comentários:

El-Gee disse...

tens imensas qualidades e, dentro do teu quadro de valores, imensas variaveis por onde pegar para fazer deste um Mundo melhor - mas aqui nao fazes ideia do que estas a falar.

R. disse...

Bom. Vamos por partes.

Há uma grande parte da população (onde provavelmente tu te incluis) que defende o liberalismo e os mercados livres? Sim

Acreditam que o Estado deve intervir? Não.

O mercado auto regula-se de acordo com a teoria dessas pessoas? Sim.

A América, com o seu liberalismo, e com um governo de direita, é senão o expoenete máximo, pelo menos um dos expoentes máximos dessa teoria economica? Sim.

O governo americano - ou seja, o Estado - interviu para regular o mercado e evitar uma crise financeira? Sim

Não faço ideia de quê? Explica lá melhor então, sr. Economista...

El-Gee disse...

Rita o mercado livre nao é a mesma coisa que um mercado desregulado.

Apenas os mais radicais defendem um mercado totalmente isento de intervencao estatal. O modelo economico capitalista defende agentes livres que operam em competicao dentro dos parametros da regulacao estatal.

Os modelos economicos nao sao conceitos estanques, como me parece que tu os estás erradamente a interpretar. Os modelos economicos sao teorias, que depois os governos poem em pratica. "Uma grande parte da populacao que defende o liberalismo" acredita, sim, que o Estado deve intervir, como é evidente. Até hoje, conheci muito pouca gente - ou nenhuma - que acreditasse que era possivel ter capitalismo sem regulacao e intervencao.

O debate bilateral entre "Comunismo" e "Capitalismo", como se falava durante a Guerra Fria, é um debate básico, é nivelar a discussao pelo mais elementar, é, se quiseres, a distincao ideológica essencial: geralmente, a primeira questao a colocar-se é essa: Acreditas numa economia de planificacao central, onde o estado detem os principais recursos e os opera e distribui como entender, teoricamente em nome do bem comum, ou acreditas numa economia de mercado, onde o estado permite aos agentes particulares que compitam entre si pelos recursos, teoricamente promovendo, com essa competicao, uma dinamica meritocrata de distribuicao de riqueza?

Mas repara, ao optares pelo segundo, ninguem está aqui a dizer que optas por um modelo onde o estado nao intervem - senao, para que existiria estado? E mais, nem na teoria, nos livros, este modelo funciona isento de intervencao.

Posto isto, é obvio que depois, ao aplicar qualquer modelo economico, cada estado o faz de forma diferente. Nenhum estado - a nao ser os assumidamente marxistas-leninistas, ou maoistas, ou teocratas, procura aplicar a teoria. Os estados actuam de acordo com principios gerais, dentro dos quadros de valor dos governantes.

Portanto, nao só estas enganada ao julgar o Mundo atraves de uma visao bipolar, como estás enganada em relacao a definicao teorica de um dos pólos.

Posto tudo isto, tens razao quando sentes que é provavelmente uma desilusao para o governo americano ter de intervir e ganhar controlo sobre as duas agencias. Mas isso nao significa que o modelo capitalista ou liberal esteja a falhar, significa simplesmente que, para que funcione, o estado tem de fazer intervencoes que promovam o equilibrio nos mercados. Se lesses com atencao os motivos que levaram o governo americano a intervir, compreenderias que esta intervencao foi feita precisamente para assegurar o equilibrio nos mercados e no sistema financeiro. Por outras palavras, isto é uma intervencao perfeitamente admissivel dentro do quadro teorico capitalista: é, se quiseres, uma forma de regulacao preventiva. Nao tem nada a ver com economias de planificacao central ou com o fim do capitalismo. A maioria dos agentes economicos nos Estados Unidos - incluindo os bancos, as seguradoras e os investidores (isto é, "os liberais", como tu os chamarias) - aplaudiu e concordou com esta medida.

O maximo de colapso capitalista que poderias ver nesta historia toda é a possivel falencia de duas grandes empresas - mas isso, Rita, faz parte do modelo da economia de mercado, que sobrevive precisamente a custa de empresas que falham e de pessoas que empobrecem. A economia de mercado é uma economia de assumpcao de risco, onde os agentes sabem que tem de arriscar x para ganhar y, e sabem que arriscar significa poder ficar sem nada. Quando o estado intervem, está a perverter esta nocao, sim, pois está, aparentemente injustamente, a ajudar um dos agentes, isto é, a perverter o equilbrio risco/retorno do mercado. Poderias dizer que o modelo capitalista falhou, mas nao falhou, simplesmente precisou de uma intervencao do estado, mais uma, como sempre teve.

O modelo capitalista nao está em risco nos Estados Unidos e sai revigorado desta operacao.

FInalmente, nao é o "governo bushista" que defende isto ou aquilo. O Bush aqui nao tem nada a ver. Qualquer presidente ou governo americano concordaria com esta medida. Eu tambem gosto de dizer mal do Bush, mas ele aqui nao está directamente implicado e, se alguma coisa decidiu, decidiu bem.

Resumindo, o governo americano interviu e todos os defensores do liberalismo e dos mercados livres estao muito contente.

Mercados livres nao sao mercados desregulados.

Anônimo disse...

Finalmente aparece aqui alguém com bom senso para por juizoa cabeça desta miuda e por os pontos nos isssssss

R. disse...

Ora bem. Tal como Adam Smith, o Guru dos geniozinhos económicos em Portugal, aposto que és fã do liberalismo económico, e que acreditas que o crescimento económico depende do egoísmo de uns e outros. Das motivações que uns e outros têm para enriquecer e encher os próprios bolsos cada vez mais. E como, de acordo com a crença do liberalismo económico (Rousseau veria as coisas de forma bem diferente) essas motivações existem, e existirão sempre, porque o Homem é um ser tendencialmente e naturalmente ambicioso, o crescimento económico acontecerá. Logo, esses mesmos agentes privados devem ser deixados à solta no mercado para satisfazer os seus interesses uma vez que, a partir do momento em que os seus próprios interesses estejam satisfeitos, também estarão os do mercado (sendo que o mercado são as pessoas, logo os interesses de todos nós). Esse agir livremente implica a não intervenção governamental. Ou o mínimo possível de intervenção governamental. Até porque, a partir do momento em que uma entidade externa como o Estado intervém, as leis de mercado deixam de funcionar. O preço dos produtos já não desce e a qualidade já não sobe e o mercado já não se auto-regula. Ora bem, a partir do momento em que o Estado actua, a mão que regula o mercado deixa de ser a mão invisível (essa mão ideal e perfeita) para ser extremamente visível: O Estado.

Posso nem sempre usar os termos certos, até porque não tenho qualquer formação académica em Economia – apenas algum interesse próprio. Não me digas, porém, que o liberalismo económico defende a regulação estatal e a intervenção do Estado na Economia, porque isso seria a sua antítese. Que na prática são admitidas excepções, é um facto. Até porque quando confrontadas com sérias dificuldades, as pessoas cedem, muitas vezes, aos seus princípios em nome da sobrevivência. Logicamente, o mesmo acontecerá com a economia, os agentes económicos e os princípios económicos. Quanto à regulação estatal a que te referes, penso que esta se relaciona mais com o estabelecer de princípios, leis e regras, do que com o salvar agentes económicos privados à beira da falência. Mas são essas mesmas cedências em nome da sobrevivência , ou da melhor vivência, que prenunciam, e mais tarde indicam, a falência de um determinado modelo – seja ele económico, politico, relacional ou amoroso.

Não estou aqui a avaliar se o Estado fez ou não bem em intervir. Apenas digo que a crise financeira que os EUA estão a viver, e sobretudo a intervenção desta mão Estatal, dão sinais de uma qualquer doença no sistema capitalisma. Eu posso achar que são sintomas de um tumor. Tu podes achar que são sintomas de uma gripe. Mas que não está tudo bem, lá isso não está.

Tu dizes, e passo a citar, que «isso não significa que o modelo capitalista ou liberal esteja a falhar, significa simplesmente que, para que funcione, o estado tem de fazer intervenções que promovam o equilíbrio nos mercados». A partir do momento em que o estado comece a fazer um sem número de intervenções, a adquirir agentes de mercado e a transformá-los não em agente privados, mas em agentes públicos (desculpa se os conceitos estão a ser usados erradamente mas, como te disse, não domino a terminologia económica) então o modelo liberal está, efectivamente, a falhar. Deixa de ser o modelo liberal para ser qualquer outra coisa.

Quanto à minha visão Bipolar do mundo…bom, admito que talvez tenhas uma certa razão. Acusam-me frequentemente de ver tudo a preto e branco. No entanto, não acredito em fazer constantemente cedências aos princípios de cada um, em nome do que dá mais jeito na altura. Todas as escolhas e opções têm consequências. Tens que viver com elas. Podes, claro, admitir ter feito uma escolha errada, e fazer uma escolha nova. São opções.

El-Gee disse...

Rita devo admitir que nao tinha voltado aqui para ver se tinhas respondido, o que é uma tremenda arrogancia minha e falta de consideracao para contigo, facto pelo qual peco desculpa.

Ainda para mais, acho que deste uma excelente reposta e francamente considero que compreendes mais o problema do que o teu (infantil) post original deixava antever.

Nao creio que compreendas muito bem a dinamica do mercado livre, mas é perspicaz o tema que abordas no teu penultimo paragrafo.

Efectivamente, esse tema que levantas, do fim de um paradigma, é um tema que se tem discutido aqui e ali, ate porque depois da minha ultima vinda a este blog muitos (e violentos) desenvolvimentos se passaram.

Penso que é alarmista ou precoce falar numa mudanca de sistema economico e que muitas dessas previsoes vem de um certo fatalismo proprio dos tempos de incerteza. O que se passou, de facto, foi um enorme abuso de falhas regulatorias nos Estados Unidos.

Como ja disse num comentario anterior, penso que o modelo de mercado livre sairá reforcado disto, nomeadamente com uma regulacao mais forte.

Nao: Com mais Estado a gerir a economia e os seus recursos e agentes
Sim: Com mais Estado a controlar esses mesmos agentes.

Isto é o que eu acredito, mas ninguem sabe. Tenho tido a oportunidade unica de falar com algumas das pessoas que mais entendem deste assunto em todo o Mundo, e todas, sem excepcao, referem os seguintes dois pontos: i) nao sabem quando a crise vai acabar ii) sabem que, quando passar, o mercado vai voltar aos niveis de ha um ano e muitas oportunidades de fazer dinheiro surgirao, quando a actividade economica voltar ao nomrla.

(Outro tema que seria interessantissimo debater, mas nao aqui,é a diferenca entre o mercado financeiro/a bolsa e a "economia real"/os indicadores macroeconomicos. Meu Deus, eu poderia falar horas sobre isto)

Em relacao ao teu ultimo paragrafo, discordo. é bom ter valores, mas ainda melhor é ter a flexibilidade de adapta-los.