domingo, 10 de fevereiro de 2008

As nossas palavras

As palavras. Essas, que sempre nos invadem os dias. Às vezes são boas para nós. Juntam-nos. Levam-nos ao que já fomos, às horas e horas que tivemos de palavras gastas, atiradas ao ar, que sem significante, e muitas vezes sem significado, pouco disseram. Mas que, em grande parte, nos fizeram. Porque, se existimos, é por todas as palavras que sussurrámos, gritámos, rimos, chorámos, pelas tardes, pelas noites, pelas madrugadas dentro.
O tempo passou e as palavras foram diminuindo - e com elas a conta do telefone. Hoje já não nos damos palavras todos os dias - já sei, as palavras trocam-se, mas eu dou as minhas e recebo as que oiço, como um presente, e não quero de volta e não me sinto compelida a devolver, e por isso não troco, por isso dou. São bons os dias em que nos damos palavras. São tristes os outros. Os dias em que as palavras são ainda mais pesadas, porque não as demos. Ou as demos a outros, só a outros e não a nós.
Quero que saibas, porém, que todos os dias tenho palavras para te dar, mesmo que não tas dê. Foi só porque não calhou. Porque não te vi, porque não te liguei, porque não te escrevi. Não foi por não as ter. Não foi por nesse dia concreto não de lembrar de nenhuma para ti. Contigo terei sempre incontinência verbal.
Foi a vida, sabes. A vida que se meteu de permeio em todas essas palavras. Foram os anos. Foram os amores e as novas amizades. Foi o cansaço e a dor de cabeça ao final do dia. As horas de sono que nunca chegam. O tu seres a mulher-a-dias e eu o guarda-nocturno. Houve alturas em que isso me entristeceu. Em que me doía não te dar dado todas as palavras que tinha para ti. Que não me tivesses dado as que tinhas para mim. Cheguei a temer que se tivessem a acabar as palavras. Que a maravilhosa incontinência partilhada se tivesse perdido e substituído por uma dura, cruel e vazia obstipação verbal.
Hoje sei que não. Hoje quando te vi, ali, em frente ao espelho, com aquele vestido, percebi que foi isso mesmo. A vida. Os amores. As novas amizades. Que a vida cresceu, a tua, a minha, a nossa. E que a vida tornar-se maior é sinónimo de felicidade. E que não fomos nós que diminuimos. Foi só mesmo a vida que aumentou.
Desejo para ti, como para mim, que a vida continue a crescer. Sei, por isso, que as palavras que nos damos talvez venham a diminuir em proporção com esse aumento. Não faz mal. Sei que tenho, e sempre terei, todas as palavras do mundo para ti, e que tu terás sempre todas as palavras do mundo para mim. E se a vida é feita de palavras, então a nossa vida será sempre cheia. Porque as palavras existem - ditas ou não.
Quero que sejas muito feliz nesta tua vida grande. E estas são as palavras que tenho hoje para te dar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Hoje, pela primeira vez aqui e agora, te tiro o chapéu...

Pela primeira vez um texto que se percebe ter sentimento verdadeiro, assim sim!

Faz-te bem levar estas chapadinhas da vida. Parece que te fazem crescer, hein???

Kiss Mini Me

Anônimo disse...

Faço minhas as "palavras" da nossa amiga...Parabéns não pelo texto mas pela capacidade de expressão e mais, pela capacidade de veres além palavras!

Um beijo muito côr-de-rosa

Mary Poppins

JRF disse...

bem dito.

melhor que trocar palavras é dar palavras


melhor ainda é saber que elas são absorvidas e enfiadas debaixo da pele algures (não interessa sequer). não há pior que alguém que aparenta estar atento quando no fundo aguarda que te cales e, aproveita o primeiro silêncio, para rispostar algo desenquadrado do que acabaste de partilhar


diz apenas o que tem a dizer.


como dois monólogos lado a lado.